segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Anote.

Quando acabar a inspiração e o copo estiver vazio. Pode anotar o que eu digo, quando os amigos estiverem longe, as mulheres tiverem desistido de mim, e a garrafa de whisky esvaziar. Vou deixar esse corpo velho despencar sem nenhuma classe, sem me preocupar com as aparências, ou se a morte vai parecer um tanto quanto feia para alguns conhecidos. Deixo-o se desfazer, desmanchar, desmontar, degradar, desfalecer. Ah, minha cara. Quando eu estiver aqui, já bastante acostumado com a sua falta e o tédio dos dias que se passam, vou lhe fazer esse favor. Pode anotar, eu ainda morro de amor, apenas para deixá-la um pouco mais feliz.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Perda de tempo.

Faça-me um favor, cate todas as suas roupas, esvazie o guarda-roupa, as gavetas, os armários. Suma com todas as suas garrafas, seus cigarros, suas fotografias, suas coleções. Faça-me esse favor, retire todos os seus vestígios da casa, enxugue suas lagrimas, ajeite o seu lado da cama. Apague suas mensagens da minha secretaria eletrônica, esvazie os cinzeiros, os lixos. Leve embora suas roupas íntimas, meus carinhos. Leve embora seus perfumes importados, seus talheres de prata, sua louça impecavelmente limpa. Faça-me um favor, pare de tentar me agradar, leve embora seus sapatos, seus vícios, suas palavras, sua insônia, suas musicas, sua voz. Joga fora, vomita toda a porcaria de amor que eu te dei sem pedir nada em troca, leva embora a porcaria das suas mentiras, a sua hostilidade, seus sorrisos falsos. Quero que você leve embora essa sua cara de pau.






foi uma grande perda de tempo, tudo.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Caio Abreu

" Há alguns dias, Deus - ou isso que chamamos assim, tão descuidadamente, de Deus -, enviou-me certo presente ambíguo: uma possibilidade de amor. Ou disso que chamamos, também com descuido e alguma pressa, de amor. E você sabe a que me refiro. Antes que pudesse me assustar e, depois do susto, hesitar entre ir ou não ir, querer ou não querer - eu ja estava lá dentro. E estar dentro daquilo era bom. Não me entenda mal - não aconteceu qualquer intimidade dessas que você certamente imagina. Na verdade, não aconteceu nada. Dois ou três almoços, uns silêncios. Fragmentos disso que chamamos, com aquele mesmo descuido, de "minha vida". Outros fragmentos, daquela "outra vida". De repente cruzadas ali, por puro mistério, sobre as toalhas brancas e os copos de vinho ou água, entre casquinhas de pão e cinzeiros cheios que os garçons rapidamente esvaziavam para que nos sentíssemos limpos. E nos sentíamos " (...)




- caio fernando abreu